Sketch Tour Portugal RELOAD - ALENTEJO
Quando o Mário Linhares me falou em fazer um texto sobre esta experiência, ocorreu-me uma frase que surgiu nessa mesma conversa: “O Skectch Tour é muito mais do que desenhar.”
De facto estes dias visitando tantos lugares incríveis, conhecendo as suas gentes e história, foram de intensa partilha e inspiração acabando por serem vividos por este grupo - eu e o Lapin (desenhadores), o José Luis Peixoto (escritor), o António Gaspar (Turismo de Portugal) e o Francisco Barros (operador de câmara e fotógrafo), numa espécie de bolha de boa disposição e companheirismo.
O nosso primeiro dia começou por um passeio de barco no rio Tejo com saída de Escaroupim, uma aldeia piscatória Avieira.
Os “avieiros” eram pescadores de Vieira de Leiria que faziam campanhas de pesca de Inverno no rio Tejo e a quem Alves Redol chamou de “nómadas do rio”. Os que foram ficando pelas margens do rio deram origem a pequenas povoações palafíticas como Escaroupim e Palhota, a que chegámos de barco neste passeio incrivelmente belo, povoado por inúmeras aves, íbis-negros, garças, andorinhas da barreira e tantas outras que não consegui fixar os nomes mas das quais não esqueço o impacto de as ver e ouvir no final do dia, numa massa compacta por entre a vegetação, na Ilha das Garças.
Inesquecível também foi ver a Ilha dos Cavalos onde os vimos passear em liberdade junto do rio.
Retenho a sensação desta atmosfera única onde verdes e azuis dominavam, barcos encalhados e veleiros actuais, marcavam presença nas margens do rio, dos cais em construções de madeira intricadas e, sobretudo, da paz que tudo isto me fez sentir.
Acabámos o dia da melhor maneira, a jantar no Dois Petiscos em Santarém.
O segundo dia foi passado na Coudelaria de Alter Real, em Alter do Chão.
Foi um dia ao ritmo das rotinas deste lugar onde se preserva o cavalo lusitano desde 1748. Todas as actividades conciliam tradição e cultura podendo ser partilhadas pelos visitantes ou hóspedes do hotel existente na Coudelaria, onde almoçámos.
Uma actividade que se repete duas vezes por dia dá pelo nome de eguada. É talvez a mais intensa e marcante de todas. A primeira pela manhã, quando éguas e crias regressam depois de terem dormido no campo. A segunda, a meio da tarde, quando fazem o percurso inverso e voltam a sair do estábulo para passar a noite fora. Assistir a esta massa de corpos que se movimenta como um só, ouvindo o barulho dos cascos no empedrado, é avassalador.
Foi-nos permitido estar no meio das éguas e dos potros antes da saída da tarde, uma sensação única. A curiosidade era mútua. Tive alguma dificuldade em evitar que uma cria lambesse a caixa de aguarelas mas não consegui evitar que outra derrubasse o recipiente com a água. Falávamos com as éguas para não se sentirem ameaçadas e caírem na tentação de nos dar coices. Senti-me pequena, intrusa e abençoada.
Na Falcoaria, onde também se recuperam as antigas técnicas medievais, uma arte ligada ao cavalo, ouvi as histórias e curiosidades destas aves contadas pelos tratadores. Histórias felizes como a da águia de nome Queimada que foi salva pela equipa da Falcoaria depois de ter ficado gravemente queimada pelas de chamas de uma chaminé onde inadvertidamente pousou.
Já na Casa dos Trens, o silêncio e o fresco, imperavam.
O terceiro dia começou na vila de Marvão debaixo de um sol esplendoroso.
Adoro as ruas estreitas, os recantos cheios de vasos, as rendas nas janelas e portas, a maravilhosa vista das muralhas e a luz que se reflete nas paredes brancas e cria um ambiente acolhedor, alegre e único.
Sentei-me à sombra, num recanto que tinha um pouco de tudo isto e fui desenhando.
Almoçámos debaixo do arvoredo na margem do rio Sever, no restaurante com o mesmo nome, na aldeia Portagem seguindo depois para Castelo de Vide pela EN 246-1, uma das mais bonitas estradas de Portugal. Mais de duas centenas de freixos com com uma faixa branca pintada nos troncos formam um magnífico túnel, o “Túnel das Árvores”.
No quarto dia, um sábado, fomos para a feira de antiguidades e velharias em Estremoz.
Num ambiente cheio de vida, que me recordo de infância, vende-se de tudo um pouco.
À conversa com o feirante António Pereira, sentada numa cadeira que gentilmente cedeu do seu espólio de materiais para venda, fiquei a saber que não tinham lugares marcados mas por uma questão de respeito entre feirantes a tradição era de os lugares serem sempre ocupados pelas mesmas pessoas. Também tradição, a pequena refeição de queijo, pão e vinho que dividia com amigos a meio da manhã.
Quando lhe quis comprar um chocalho antes de me vir embora, não me deixou pagar, porque disse ter-lhe dado sorte nas vendas do dia.
Visitantes e feirantes aproximavam-se para ver e comentar o que desenhava. Um feirante comentou que o meu desenho estava muito bonito mas tinha um erro e quando lhe perguntei o que era, disse que estava a desenhar o homem mais feio da feira, que ele, era o mais bonito.
Fomos almoçar a Elvas, no Santa Luzia Hotel. Desenhar nesta cidade fortificada, a maior da Europa, reconhecida como Património da Humanidade pela UNESCO, tornou-se num dilema constante. A cada passo, tudo apetecia desenhar.
Na manhã do quinto dia dividimo-nos ficando o Lapin em Elvas e eu em Estremoz, onde não se via praticamente ninguém por ser domingo. O silêncio no coração da cidade transmitia uma imensa serenidade.
Marcante também os verdes intensos das vinhas que quase alcançam as muralhas.
Almoçámos na Cadeia Quinhentista e seguimos para Vila Viçosa e Borba onde visitámos uma pedreira de mármore. Este local teve em mim um grande impacto. Uma enorme cratera, profunda, com água cor esmeralda no fundo, amontoados de desperdícios de pedra espalhados pela zona circundante e uma paz solene como se o tempo estivesse suspenso à espera de ser libertado.
O último jantar de grupo foi no Marmoris Hotel, numa memorável conversa sobre viagens.
O sexto e último dia foi em Monsaraz, só de manhã.
A vista das muralhas sobre a planície e Lago Alqueva é deslumbrante.
Nas minhas memórias de infância a presença da água não tem lugar mas já não consigo imaginar esta vastidão de outra maneira. Sinto-me sempre em casa quando aqui regresso.
Quando terminámos o almoço no restaurante Sem Fim, apanhei duas pedrinhas, mesmo à porta, e guardei-as no último frasco de vidro onde recolhíamos fragmentos destes dias, para preservar a memória da aventura de viajar que nunca deve ter fim.